domingo, 23 de setembro de 2007

Há metafísica bastante em não pensar em nada.

O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que idéia tenho eu das coisas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do mundo?
Não sei.
Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar.

É correr as cortinas da minha janela (mas ela não tem cortinas).
O mistério das coisas?
Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.

Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas coisas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.

Metafísica? Que metafísica tem aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?
"Constituição íntima das coisas"...
"Sentido íntimo do universo"...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em coisas dessas.
É como pensar em razões e fins quando o começo da manhã está raiando,
e pelos lados das árvores um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.
Pensar no sentido íntimo das coisas
É acrescentando, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água da fonte.
O único sentido íntimo das coisas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.

Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, aqui estou!
(Isto é talvez ridículo ao ouvidos de quem,
por não saber o que é olhar para as coisas,
não compreende que fala delas
com o modo de falar que reparar para elas ensina)

Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e o sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si-próprio?),
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda hora.

Fonte: Fernando Pessoa- Obra Poética.

4 comentários:

Anônimo disse...

O segredo é simplificar, simplificando se atinge o objetivo evoluir...

abraco

Neto

Anônimo disse...

Lindo, que turbilhão de pensamentos...
Pensar..pensar..pensar...pensar
Até nos darmos conta de que os nossos pensamentos não nos dominam!
Nós somos nossos pensamentos! Então, melhor dominarmos a eles! Assumindo o controle da nossa vida!
Beijos,
Lili
Ps.Linda foto.

Unknown disse...

Não! Não somos nossos pensamentos! Não somos não!

Anônimo disse...

Uma verdade! Difícil de colocar em prática, mas devemos tentar.Vou repetir Osho: " Esteja pronto para tomar responsabilidade pela criação de sua própria miséria, alegria, negatividade, positividade, inferno ou paraíso. Quando essa responsabilidade é entendida e aceita mudanças começam a acontecer. Esteja aberto a uma nova possibilidade...Sua mente é a árvore-dos desejos- o que voicê pensa, mais cedo ou mais tarde se realiza. Ás vezes o intervalo é tão grande que você se esquece completamente que desejou aquilo; então não faz ligação com a fonte. Mas se olhar profundamente, perceberá que todas seus pensamentos estão criando você e sua vida.
Eles criam seu inferno e paraíso, seu tormento e alegria, o negativo e o positivo...
Todos aqui são mágicos. E todos estão fiando e tecendo um mundo mágico a seu redor...e aí são apanhados. A aranha é pega em sua própria tela.
Ninguém o está torturando a não ser você mesmo. E uma vez compreendido isso, mudanças começam a acontecer. Então você pode dar a volta, mudar seu inferno em paraíso; é simplesmente uma questão de pintá-lo a partir de um ângulo diferente...A responsabilidade é toda sua.
E assim surge uma nova possibilidade:você pode parar de criar o mundo! Não há necessidade alguma de criar. O criador pode relaxar, aposentar-se.
E a meditação é a aposentadoria da mente."( Take It easy, vol.2, págs.176-179 )
Fred,sorry pelo texto longo, mas no meu modo de pensar gosto de absorver as palavras dele quase por inteiro.E mesmo assim esse é um fragmento. Bjus